Tempo de leitura: 4 minutos. Os romanos eram fãs de panquecas. Sim, muito antes dos americanos com suas “pancakes”, dos franceses com as “crepes" e dos russos com o "blini", não faltavam os “ovos esponjosos com leite” ou “ova sfongia ex lacte” nas mesas romanas. Claro, a receita não era como hoje. Na verdade elas pareciam mais omeletes doces, pela falta da farinha. Em “De re coquinaria”, compilado de receitas da Roma Antiga escrito por Marcus Gavius Apicius (25 a.C. – 37 d.C.), a receita era simples: quatro ovos, um quarto de leite e azeite. Bata tudo junto e cozinhe em ferro quente em pequenos discos. Para comer com mel e pimenta, acompanhando chá. Não é uma panqueca propriamente dita, mas é o primeiro prato que mostra a origem do que se tornou o que conhecemos hoje.
Foi na Idade Média que a receita atual surgiu. Reza a lenda que no século V peregrinos franceses chegaram a Roma para a Festa della Canderola. O Papa da época, Gelasio I (401-496), vendo que estavam esfomeados, deu para todos ovos, farinha e leite. A receita então foi levada à França onde ganhou o nome de crepe. O prato ficou tão popular e corriqueiro na época, que era citado em diversos livros como algo que todos sabiam fazer (a receita em sí só foi publicada em 1700). Na Inglaterra as panquecas passaram a fazer parte da rotina de maneira tão evidente que foram citadas por Shakespeare, anos mais tarde, em duas de suas obras.
Alguns fatos curiosos, relacionados às panquecas também podem ser encontrados ao longo da história. Em 1445, ainda na Inglaterra, nasceu uma tradição bastante curiosa que perdura até hoje: a Corrida das Panquecas (Pancake Race) em Buckinghamshire, condado inglês. A lenda diz que um certo dia, uma dona de casa estava fazendo panquecas e ao ouvir o sino da igreja, se deu conta que estava atrasada pra missa. Não teve dúvidas, correu para a igreja com panela e tudo na mão. A história se tornou uma séria tradição e até hoje na 3ª feira de carnaval, mulheres vestidas de donas de casa, com aventais e lenços no cabelo, competem entre sí, com panelas e panquecas na mão, disputando quem corre mais rápido.
A ideia milenar da panqueca, vem do “pão feito na chapa”. Este processo acompanha a história da agricultura, uma vez que os cereais possibilitaram a manufatura das massas. Na Ásia com o arroz, na Mesopotâmia com o trigo e nas Américas com a produção de milho, as panquecas passaram a ter diferentes caras e recheios. Para o historiador Ken Albala, que dedicou um livro inteiro à história da panqueca, a semelhança entre as diferentes versões tem em comum “uma massa rasa, cozida em pouca gordura em uma superfície plana”. Conheça algumas das “panquecas” ao redor do mundo:
Crepe, na França
Como contei acima o crepe supostamente nasceu de peregrinos franceses que se viraram com os ingredientes cedidos pelo Papa. A palavra francesa crepe quer dizer crespo, pela textura com que a massa fica depois de pronta. Na Idade Média diversas superstições tinham relação com os crepes. Em algumas regiões, camponeses deixavam um crepe aberto na cozinha para atrair sorte e afastar a fome. Hoje podemos degustar os crepes com os mais variados recheios, mas a receita da massa se mantém desde a Idade Média: Ovo, farinha e leite.
Kaiserschmarrn, na Áustria
Doce típico austríaco, é uma panqueca rasgada, feita com farinha, ovos, leite, manteiga, açúcar, casca de limão e passas. A massa é frita na frigideira e depois servida em pequenos pedaços. Diversas lendas sobre o surgimento desta panqueca envolvem o Imperador (Kaiser em alemão) Franz Joseph I (1830–1916): uma delas conta que ele se perdeu na floresta e uma camponesa para ajuda-lo serviu uma panqueca despedaçada que ele adorou e difundiu; outra diz que sua esposa, Elizabeth da Baviera, queria tanto emagrecer que pediu ao cozinheiro uma sobremesa leve, resolveu-se o problema fatiando a panqueca em pequenas tirinhas; ou ainda que a cozinheira do Imperador não conseguia virar a panqueca na panela e acabou servindo-a rasgada pra facilitar sua vida. Não se sabe como foi, mas o amor do Kaiser pelo prato é inquestionável e a sobremesa é um sucesso pela Áustria e arredores.
Okonomiyaki, no Japão
Em japonês, Okonomi: “o que você quer/gosta” e Yaki :“grelhado”. Basicamente não tem muitas regras para fazer a panqueca japonesa. Com ovos e farinha, leva caldo de peixe ou vegetais, diferente da receita tradicional de panqueca. É recheada com carnes, frutos do mar, vegetais e o que mais você quiser - depois grelhado na chapa. As Panquecas no Japão eram consumidas desde o período Edo (1683-1868), como uma sobremesa, parecida com um crepe, nas cerimônias budistas chamadas Funoyaki. Mas foi depois da Segunda Guerra Mundial que o Okonomiyaki surgiu como uma alternativa barata à escassez do arroz. Cada um adicionava os ingredientes que queria e tornava a panqueca uma refeição completa.
Injera, na Etiopia
Prato nacional etíope, as Injeras são grandes crepes feitos de farinha de Tefe (cereal típico da região) fermentadas e assadas numa chapa de ferro. Elas servem de base para pratos típicos como o Wot, guisado de carne e vegetais, ajudando a pegar a comida com a mão. O Tefe, cereal base da Injera, é pouco conhecido ao redor do mundo, mas acredita-se que o seu cultivo começou entre 4000 a 1000 a.C. e, dizem, sementes foram encontradas em um sítio arqueológico egípcio no século XIX.
Blini, na Rússia
Reza a lenda que na Idade Média, um homem, viajando pela região onde hoje está a Rússia, preparava sua refeição aquecendo geléia de aveia no fogo, foi distraído por um amigo e acabou esquentando demais a geleia. Assim foi criado o primeiro Blini da história. Com o tempo a receita tomou importância nas casas russas. Era preparada nos festivais medievais como celebração da vida, ofertadas para comemorar nascimentos e até servidas em funerais. A receita acompanhava mel ou geleia, mas ao se espalhar pela Europa e cruzar o Atlântico em 1800, se tornou base para requintados ingredientes, como salmão defumado e caviar.
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