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“Tudo foi mato um dia, até as pessoas descobrirem que aquilo se poderia comer” Valdely Kinupp
Devemos aos portugueses muitos dos vegetais típicos do Brasil hoje. Portugal sempre foi grande fã de verduras - não é à toa que o natural de Lisboa é o alfacinha! - por conta das enormes hortas próximas da região (em Alvalade e Enxobregas). Quando vieram para cá, construíram hortas ao redor da maioria das casas e criaram enormes cinturões de vegetais em volta de vilas como Olinda e Salvador. Trouxeram alimentos que estão na nossa mesa há 500 anos, como cereais, trigo, couve, alface, pepino, abóbora, alho, cebola, cominho e coentro.
Os índios comiam muito inhame, palmito, mandioca, jenipapo, ananás e caju. Com a vinda dos portugueses, eles começaram a usar bem mais temperos, chamando-os de Cumbari - "alegria da comida". Usavam principalmente as pimentas vermelhas e amarelas, frescas, secas e em diferentes preparos com sal e farinha. Outro tempero bastante usado era o Nhambi, conhecido hoje como coentro-de-caboclo ou salsa-do-pará.
Os africanos não comiam muitas hortaliças, inclusive até os anos 1920 o consumo de verduras na região era mínimo. Preferiam arroz, feijão, fava, amendoim, melancia, caças e pescas assadas. Com eles vieram a banana, manga, jaca, a cana de açúcar, e o coqueiro, alimentos tão enraizados na nossa identidade nacional.
Muitas das espécies nativas ou trazidas pelos navios - tão consumidas nos primórdios da nossa historia, hoje caíram no esquecimento e desapareceram das nossas mesas. Muitas delas, porém, são conhecidas como PANC (Plantas Alimentícias Não Convencionais), e continuam por ai prontas para serem devoradas.
Descobri isso em um curso que fiz com a Neide Rigo em 2016. Um tal matinho que rola solto pelas calçadas é a Beldroega, uma verdura que era favorita entre os portugueses, e tem sabor que lembra espinafre, além de ser rica em ômega-3. Aquela árvore que vejo sempre por ai, com frutinhas vermelhas que parecem carinhas de ETs, são uvas japonesas - que na verdade são originárias da China, tem gosto de maçã e passas, e são usadas há séculos na medicina chinesa para curar ressaca.
As Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) são as plantas que podemos comer mas não comemos. Elas podem ser folhas, frutos, sementes, raízes e até mesmo castanhas que não são facilmente encontradas em uma determinada região, pois não são produzidas ou comercializadas em grande escala. Muitas delas nascem espontaneamente em jardins, praças, quintais e calçadas. Este tipo de alimento é um reflexo da diversidade cultural e dos sabores de diferentes regiões, afinal o que é não convencional em São Paulo pode ser super comum, por exemplo, no Pará.
O curso Panc na City, organizado pela Neide, nutricionista e colunista do Paladar, mudou minha visão alimentar pra sempre. Uma volta pelo quarteirão durou horas quando a cada passo encontrávamos sabugueiros (o xarope de suas flores é famoso na Europa como Elderflower), pimentas rosas, ararutas, manjericão zaatar, alfavacas, capuchinhas e uma frutinha chamada caferana, que tem gosto de manteiga de amendoim! E claro, a parte mais gostosa da aula/passeio foi quando a Neide cozinhou tudo que colhemos no final.
As PANCS são uma forma de diversificar nossa mesa, um meio de fugir do mercado que controla o que a gente come por interesses de produção, limitando nossas opções e usando quantidades obscenas de químicos. Além disso, são uma forma de preservarmos nossa cultura, criar novos cultivos, recuperar ingredientes usados no passado e esquecidos por conta do mercado.
No livro Plantas Alimentícias Não Convencionais no Brasil , Valdely Kinupp e Harri Lorenzi apresentam grande parte das PANCs, como identificá-las e sugestões de receitas. Algumas das mais famosas são:
Beldroega
Consumida na India há milhares de anos, suas folhas são usadas em saladas, cozidas ou refogadas. São ricas em magnésio, cálcio, zinco e proteínas, tem sabor que lembra espinafre, e era a planta favorita entre os alimentos dos portugueses no Brasil.
Peixinho
Esta folha cheia de pelinhos também é conhecida como orelha de coelho e lambari-da-horta. Empanada faz vezes de petisco, em estilo manjubinha frita. Nativa da Turquia, é uma planta rústica e fácil de plantar pois não precisa de grandes cuidados.
Maracujá-do-mato
Também conhecido como Maracujá da Caatinga, é pequeno e com a polpa branca. Tem sabor mais doce que o maracujá convencional, mas também tem uma acidez e aroma bem fortes. É um produto bastante usado no Nordeste para fazer sucos, polpas, geleias e sorvetes. Além disso, sua flor é linda.
Ora-pro-nóbis
Planta nada não-convencional em Minas Gerais, o Ora-pro-nóbis é muito usado por lá no frango, angú, feijão, fazendo vezes de couve mais amarga. Suas folhas, brotos e frutos são comestíveis e com alto teor de proteínas.
A planta ficou conhecida por Ora pro nóbis (Orai por nós em latim) pela história de um padre colonial que viviam em Sabará, Minas Gerais. Sua igreja possuía enormes moitas da considerada erva daninha, mas ele proibia todos de pegar. Reza a lenda que as mães mandavam os filhos no final da missa roubar uns tantos pra fazer mais tarde pro jantar. Ela também foi muito consumida pelos escravos pelo seu fácil cultivo e alto poder de saciedade.
Vinagreira
Também conhecida como hibisco, seus frutos ficaram famosos na forma de chá, bem vermelho e ácido. Os imigrantes japoneses, quando vieram para o Brasil, tiveram que adaptar alguns dos nossos ingredientes para buscar sabores orientais. Criaram o Hanaumê, uma conserva de flor de vinagreira, que lembra o sabor do Umeboshi (conserva de ameixa japonesa)
Capuchinha
A capuchinha ficou bastante popular nos últimos tempos. Tanto suas flores quanto folhas são comestíveis. As flores são amarelas, vermelhas e laranjas e as folhas verdes, arredondadas e com sabor que lembra o agrião.
Coração de Bananeira
O coração da banana parece palmito mas é mais amargo. Se come bastante em Minas, temperado com alho, cebola, pimenta e cheiro verde. No Sudeste Asiático as chamadas banana blossom são muito usadas em saladas, curries, frituras e sopas.
O Sesc Pompéia está sediando o Comer é PANC, encontros gratuitos elaborados pela Neide Rigo que discutem as PANCs com diversos cozinheiros, nutricionistas, agrônomos, produtores e pesquisadores, entre eles Diego Prado, Paola Carosella e Douglas McMaster. O evento começou em Abril e vai até Novembro/2018.
Diversos restaurantes hoje em dia usam PANCs em seus cardápios. Um dos mais famosos é o Tuju, na Vila Madalena em São Paulo, que recebeu sua segunda estrela Michelin agora em 2018. Lá, o Chef Ivan Ralston planta mais de 350 espécies em suas hortas. Os menus são sazonais e com diferentes opções de degustações - vegetarianas e harmonizadas.
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