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O crítico de gastronomia surgiu com o fim da revolução francesa. Diversos gourmets, por falta de dinheiro para manter seu estilo de vida glutão, passaram a escrever sobre comida e a criar sociedades epicuristas dedicadas à gastronomia. Eles aproveitaram que os novos ricos da época, ansiosos por se familiarizar com as regras de etiqueta e da alta gastronomia, estavam prontos para consumir cultura de comida comprando diversos livros do tema, como o guia dos restaurantes de Paris “Almanach des gourmands” de Alexandre Grimond de la Reynière (publicado em 1803). Grimond tinha senso de humor. Um dia sua mulher anunciou sua morte e convidou todos para o velório. Quando seus amigos inconformados choravam à beira do caixão, uma porta se abriu com um suntuoso banquete, repleto de velas e sentado na ponta Grimond, que anunciava: "O jantar está servido!"
Os foodies da época tinham grande influência na opinião pública do período. Provavelmente, como reflexo desta influência o Francês, André Michelin, fabricante de pneus, em 1900 teve a ideia de reunir suas propagandas de pneus com a publicação de um guia de restaurantes e hotéis, criando o que até hoje temos como referência de guia gastronômico no mundo todo: o guia Michelin.
Poucas pessoas sabem que os livros de culinária estão por aí há muito mais tempo do que imaginam. No século IV a.C. estes livros rolavam soltos por Atenas, contando sobre os costumes, comidas, bebidas e sobre a arte da mesa. Um dos primeiros livros sobre o assunto que conhecemos foi escrito por Arkhestratus (384-322 a.C.) que descreve suas experiências e descobertas culinárias no livro Hedypatheia ou Tratado dos Prazeres.
Alguns anos mais tarde, outro livro permitiu que conhecêssemos a alimentação da Roma Antiga. O gastrônomo Marcus Gavius Apicius (25 a.C. – 37 d.C.) conselheiro do imperador Nero era o responsável pelos melhores banquetes da época, contratando diversos cozinheiros e criando eventos tão suntuosos que, dizem, teria gastado toda sua fortuna neles. Quando se deu conta da falência, organizou um último banquete e se suicidou no final. O livro De Re Coquinaria tem 468 receitas, recomendações terapêuticas e reflete sobre aspectos da sociedade e dos saberes culinários que possuíam naquela época.
Na China “comida” já é assunto há quatro mil anos. Escritores, filósofos, sábios e pensadores políticos escreveram diversos tratados sobre alimentação e receitas culinárias.
O pensador e filósofo chinês Confúcio, nascido por volta de 550 a.C., escreveu textos sobre o protocolo à mesa, com regras de preparação e de apresentação dos pratos.
Os árabes tem também uma tradição importante na história da gastronomia e nos livros sobre este tema. Em aproximadamente 711 d.C., os árabes venceram os visigodos conquistando a península ibérica onde permaneceram até 1492. Esta influência árabe transformou a arquitetura, idioma, etnia e lógico, a gastronomia da região.Os mouros cultos acreditavam que gastronomia era sinônimo de status, posição social e cultural. Por isso, muitos livros de cozinha foram criados nesta época, mas apenas um chegou aos nossos dias: o Tratado de cozinha de Ibn Sayyar-al Warrãq, do século X. Este texto trata da cozinha como parte da cultura e da qualidade de vida com receitas, dietas e preferências gastronômicas dos Califas. O texto tem cerca de 600 receitas que permanecem, de uma forma ou de outra, nas raízes da cozinha espanhola até os dias de hoje.
Na Idade Média, Chiquart era o cozinheiro do duque de Savóia (que posteriormente tornou-se Papa Félix V) e escreveu diversas receitas em seu livro Du fait de cuisine que não apenas é um registro do que se comia na época mas também mostra o deslumbramento medieval pela alquimia. Sua receita de número 65 “Caldo restaurador recomendado para pessoas enfermas”, era feita de galo capão (castrado para engordar), água de rosas, pedras, pérolas e moedas de ouro (que ele recomenda serem retiradas antes do consumo).
Em 1520 o livro de culinária do catalão Mestre Robert de Nola, “Libre de Coch” (catalão: Livro do Cozinheiro) foi um baita best-seller com pelo menos cinco edições catalãs e outras dez em castelhano, comparável apenas a Don Quixote no século seguinte. O livro é composto por 236 capítulos e trata do modo correto de trinchar carnes, do ritual de lavar as mãos, do serviço correto do vinho, das profissões de cada servente da corte, suas funções e ordem hierárquica, além do relacionamento e posições em relação aos senhores e monarcas da época.
Voltando para os dias de hoje, um dos livros que mais gosto sobre cozinha é o Cozinha Confidencial, do grande chef Bourdain. Anthony Bourdain, uma das maiores perdas que tivemos este ano (ainda inconformada) escreve da sua maneira sarcástica, sórdida, divertida e extremamente honesta, sobre as cenas da cozinha. Segredos, falcatruas, lembranças, dicas e ,em se tratando de Bourdain, sexo, drogas e Rock and Roll. Este chef, que ficou famoso por este livro, escreveu outros 53 ao longo de sua vida e apresentava os programas Sem Reservas e 'Parts Unknown'. Com seu jeito despojado, engraçado e cruel, ele conversa com o leitor em seu livro sem papas na língua. Uma leitura indispensável para quem gosta de comida e suas histórias. <3 Saudade Bourdain.
Adorei!! 👏🏻👏🏻