Tem sido difícil para mim falar sobre comida com cada vez mais brasileiros passando fome. O número de pessoas em situação de extrema pobreza dobrou em 2020-não tem como não me sentir um pouco hipócrita contando a história do, sei lá, Lardo di Colonnata, enquanto isso.Eu sei que falo da poética da comida e sei que isso é um privilégio.
Ontem conversei com a minha mãe sobre o que estava escrevendo e ela achou que um texto com tom mais político, talvez fugisse do que costumo fazer por aqui. Mas, a meu ver, fome não é sobre opinião política. Fome é sobrevivência, é sobre direitos humanos. Esse texto é sobre posicionamento e reconhecimento do meu próprio privilégio. É sobre conscientização.
Lembrei esses dias da obra "Arroz e Feijão", de 1979 da artista Anna Maria Maiolino. Mudas de arroz e feijão plantadas em pratos de louça, distribuídos em um extenso banquete. A obra fala de igualdade e de distribuição justa de recursos. Fala do alimento como política, como relação social. Fala do precioso elo da comensalidade, da relação entre os espaços comuns e das diferenças criadas pela fome.
Em 1965, o cineasta Glauber Rocha escreveu o manifesto "Estética da Fome", onde questionou o ponto de vista do observador europeu sobre a arte latino-americana, denunciando a sua “nostalgia de primitivismo”. Na obra de Glauber, "a fome não se define como tema. Ela se instala na própria forma do dizer. Procura redefinir(...)a carência de recursos, invertendo posições diante das exigências materiais e as convenções de linguagem próprias ao modelo industrial dominante", pontuou Ismail Xavier.
Será que hoje somos nós, brasileiros de classe média/alta, que temos esse olhar ausente a que Glauber Rocha se refere? Acostumados a aliviar a culpa com pequenos gestos, quase curiosos e pouco eficazes? Até quando vamos tratar a fome como consequência estrutural normalizada de uma história que perdura há séculos?
O Brasil é um dos países que menos doa na pessoa física. Conte aqui o que você faz e ajude a incentivar outros a fazerem o mesmo. Algumas sugestões de ONGs que ajudam no combate a fome: @gente.prabrilhar, @acaodacidadania, @ongbancodealimentos, @gastromotiva, #olheparaafome
Fotos: "Arroz e Feijão", de 1979 da artista Anna Maria Maiolino
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