"A mais bela das árvores de Deus,
A laranja veio aqui e se estabeleceu.
Comandada para não se mover
Cresce apenas no sul do país
Enraizada, firme e difícil de mudar:
Mostra assim sua unicidade de propósito
Folhas verdes e flores brancas
Encantam os olhos de quem vê,
Galhos grossos e espinhos tão afiados,
E as finas frutas redondas,
Verdes com amarelos misturados
Possuem um brilho reluzente.
Laranja por fora, branco puro por dentro"
"Jú sòng" ou "Em louvor da laranja", poema chinês da antologia "Canções de Chu".
Um dos cítricos mais famosos do mundo, a laranja pertence a duas espécies: a Citrus Aurantium, a laranja-azeda e a Citrus Sinensis, que engloba todas as variedades de laranjas doces. Embora os primeiros cítricos cultivados na China tenham sido as tangerinas (falei isso em um post de set 2020), as laranjas já eram cultivadas pelos chineses em 2.500 a.C.
Inicialmente seu principal uso era a casca, utilizada como saborizador e como potente perfume. Antigos documentos chineses contam que se andava com cascas da fruta na palma da mão, o que fazia com que o calor aquecesse os óleos essenciais soltando maior aroma. Logo nos primeiros séculos do cristianismo, a laranja viajou além da China. No Japão, a fruta já era cultivada no século VIII e na Índia antes mesmo disso - um tratado de medicina indiano de 100 d.C., o "Charaka Samhita", menciona a fruta pelo nome que deu origem a palavra hoje, "naranga", do sânscrito "narunga". "Naranga" então se tornou "naranj" em arabe, "narantsion" em grego antigo e "aurantium" mais tarde em latim, dando origem às palavras "arancia" em italiano e "orange" em inglês e francês.
Mas a laranja chegou nas Américas anos mais tarde, na segunda viagem de Colombo, em 1493, que levou suas sementes - junto com a de diversos outros cítricos - para o Haiti, se espalhando então para diversos outros lugares do Caribe. Dizem que em 1509 já se produziam laranjas no Panamá e em 1565 na Flórida. No Brasil, a laranja foi introduzida no início da colonização portuguesa, através de sementes nativas da China. Hoje, a laranja mais plantada por aqui é a Pêra, embora existam mais de 100 variedades pelo mundo.
As laranjas eram vistas como mágicas em diversos mitos e lendas milenares possivelmente por sua cor: dizem que povos antigos acreditavam que as frutas vermelhas ou alaranjadas tinham propriedades sobrenaturais, ligando-as à cor do sangue e à força vital. O brilho laranja de sua casca também levou alguns criadores de mitos a associá-las ao sol. A fruta, nativa da China como falei no post de ontem, quando chegou ao Japão, foi identificada como fruto da vida. Uma história da mitologia japonesa, conta sobre um herói chamado Tajima-mori que foi enviado pelo Imperador à Terra Eterna, possivelmente ao sul da China, para trazer de volta o tal fruto mágico, que faria com que o imperador pudesse se tornar imortal (Tajima-mori porém voltou tarde demais e o imperador já havia morrido). Os chineses antigos também acreditavam nos poderes da fruta, atribuindo-a a boa sorte e alegria, e para afastar os maus espíritos.
Outra lenda antiga, dessa vez flamenga, conta que um jovem príncipe saiu um belo dia em busca de uma noiva que estava escondida dentro de uma laranja mágica em uma terra cujo céu era sempre da cor do pôr do sol e os bosques sempre alaranjados.
A fruta também foi, por muitos séculos, incluída nas celebrações, como um importante presente. Historiadores dizem que o costume de oferecer frutas frescas de presente em grandes festividades existe desde os tempos antigos, e a laranja estava entre uma das mais frequentes opções por todo o imaginário criado em cima de sua cor e perfume. No livro "A history of food" de Maguelonne Toussaint-Samat, conta-se que "No século XIX, as crianças pobres sonhavam o ano todo em ganhar um presente precioso e perfumado que era uma laranja no Natal. A maioria delas não sabia o gosto de uma laranja, nem ao menos se ousaria comer aquela fruta dourada e quase mágica."
Na foto: “Fruits are for Boys” do fotógrafo de Gana @the.vintage.mason
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