Existem poucas comidas que conseguem confortar um coração apertado. Pra mim, normalmente, são doces, desses bem gordos, intensos, culpáveis, que preenchem o estômago e enganam o coração, pelo menos por alguns minutos.
Ontem, buscando paz de espírito, pedi uma porção de churros com calda de chocolate, para comer de uma vez, tentando cobrir aquele vazio que às vezes aparece em noites de domingo. Mas é difícil achar bons churros por aí. Gosto daqueles hispânicos, compridos, sequinhos, sem açúcar e sem recheio, para chuchar em uma boa xícara de chocolate amargo bem grosso. Já aqueles de carrinhos de beira de praia, gordinhos, com açúcar, canela, recheados e cobertos de doces estridentes são só para momentos mto intensos - achei que ainda não era o caso.
Li outro dia que a receita de churros foi uma das mais buscadas no Google no ano passado - faz sentido em tempos pandêmicos. Já a história dos churros é incerta. Reza a lenda que a famosa fritura espanhola foi criada por pastores ibéricos que precisavam de algo fácil e substancioso para comer enquanto vagavam pelas montanhas com suas ovelhas. Dizem também que os mouros que chegaram na região levaram consigo o doce, introduzindo-o no receituário iberico do século VIII. Outra versão conta que navegadores portugueses trouxeram para a Espanha a receita de "youtiao", uma popular fritura chinesa, bem semelhante aos churros. Mas, segundo o historiador Michael Krondl, "Os espanhóis não tiraram a ideia dos churros dos chineses, pq os churros são feitos pressionando a massa através de algo que lhes dê forma, técnica que já era popular em toda a Europa no período." Seja como for, a receita dos churros não é mto diferente de algumas receitas descritas por Apicius, em De Re Coquinaria, no século I a.C. ou da receita da "scriblita" romana, descrita por Cato no século II a.C.:"pedaços de massa úmida escorrida em formas aleatórias na gordura quente".
Na Idade Média, o doce se tornou popular: fazia sucesso como "cryspeys", descrito em manuscritos como "massa fermentada líquida que escorre dos dedos do cozinheiro para um óleo quente": preparos corriqueiros para aquecer corações em dias solitários - é...certas coisas nunca mudam.
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